domingo, 6 de março de 2011

Do Direito das Mulheres Negras se Sentirem Mulheres


                                                                                                                          Por Neusa Baptista
                                                                                                        Núcleo Maria Maria CUFA MT

Há cerca de duas semanas, cortei curtinho meu cabelo. O cabelo, aliás, me surpreende a cada dia com sua capacidade de revelar e provocar. Foi o que aconteceu desta vez.Por onde eu andava, cabeças masculinas e femininas se viravam para ver meu cabelo. A princípio, pensei comigo mesma: o que foi que eu fiz? Sentia-me menos mulher e ao mesmo tempo pensava: agora preciso me vestir com muita feminilidade, pois com este cabelo curto, posso passar por homem. De repente me vi numa loja de 1.99 em meio a tic tacs, lacinhos, brincos coloridos e outras coisas. Na ânsia de mostrar o quão feminina era, tornei-me mais feminina mesmo. Em atos e palavras. Por que isso não tinha acontecido antes? Com meu cabelo crespo e curto, recebi muitos olhares de reprovação, riso, espanto. Além de crespo, ainda curto! Pasmem! Comentei com meu cabeleireiro (Jair Vip’s, um beijo!) que “mulher de cabelo curto sofre preconceito” e ele ficou espantado!
Aos poucos, fui me acostumando e aprendendo a ‘dominar’ o meu curtinho, de modo que ele parecesse ao mesmo tempo, natural e bem cuidado. Engraçado, é só a gente começar a se achar bonita que as pessoas em volta fazem coro! O contrário também acontece, claro. Quer que os outros falem bem de você? Comece a falar bem de você. E isso não pode ser do tipo “Eu sou o máximo”, mas do tipo “ Nós podemos ser o máximo juntos”. Piegas né? Não consegui pensar em nada melhor. rs. Enfim.
O meu cabelo curtinho me obrigou a pensar mais em minha feminilidade. E isso se deu ainda somado ao fato de ele ser crespo. Isto é, geralmente, os homens negros utilizam o cabelo raspado e as mulheres alisado. Portanto, o fato de eu ser negra não me ajudava muito mesmo. Mas se tem uma coisa que eu gosto é de chamar a atenção para o meu cabelo! Sério. Quando meu cabelo não chama a atenção, eu acho que ele não cumpriu seu papel, que é o de ser mensageiro de algo positivo sobre a negritude. Enfim. Tal como ocorreu há muitos anos com o meu penteado rastafári, o curto que a princípio parecera ‘feio’ e ‘masculino’ se revelou, na verdade, versátil, irreverente, delicado e feminino!
Mas  a meu ver, isso só aconteceu porque era crespo, e porque eu sou negra, e sou mulher. Muitos papéis, significados, lugares, atitudes a tomar... Para pra pensar: se a mulher branca (ou não negra) já tem problemas, pensa na negra. Pensa. Então, por isso quando vejo uma mulher negra se destacando, não sei da vida íntima dela, mas imagino que deva ter enfrentado alguns obstáculos que poderiam ter sido evitados se o País fosse menos racista, machista etc.
Por isso, neste 8 de Março, um abraço especial a todas as mulheres pretas (negras, pardas, índias, gordinhas, baixinhas, comuns) do Brasil. Vocês são foda.
 

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

MULHER E IDENTIDADES

No dia 11 de fevereiro a CUFA Bahia realizou o Seminário Mulher e Identidades, uma iniciativa do Núcleo de mulheres da CUFA Brasil, Maria Maria. Com o auditório da biblioteca do Estado da Bahia cheio, palestraram a Historiadora e cantora Rebeca Tarique, O grupu de Mulheres Felipa de Sousa, a LOBA (Lúpicos Organizados da Bahia) e a Historiadora, Educadora e Coordenadora  da CUFA Maria da Conceição Freitas. Segundo Caliane Nunes, coordenadora Estadual do Núcelo maria Maria, "o momento foi ímpar, pois conseguimos agregar diálogos sobre diferentes identidades do feminino e a palestrante Rosangela Castro (Felipa de Sousa),  completou agradecendo a CUFA pela abertura, pois segundo Castro "normalmente não se trata do recorte do lesbianismos em eventos do gênero.
Enfim, a tarde foi recheada de troca de saberes e os presentes estimulados e convidados ao exercício da reflexão.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

REFLEXÕES: MASCULINO x FEMININO?

Por

Maria da Conceição Freitas                              Caliane Nunes
Coordenadora Geral da CUFA Bahia     Coordenadora Núcleo Maria Maria CUFA Bahia
  Historiadora e educadora social                    Historiadora e educadora social





Biologicamente nascemos macho ou fêmea, como os demais animais, mas a capacidade humana de produzir cultura nos diferencia e desde cedo nos travestimos dos papéis sociais estabelecidos e viramos menino ou menina. É na infância que as águas ganham divisores, tudo é milimetricamente pensado (normatizado), desde a escolha dos tons e cores que irão embalar o corpo e o sono da inocência dos bebês. Com os primeiros passos surgem às definições através dos brinquedos e das brincadeiras. Aos garotos é dada a liberdade traduzida no correr, no modo de sentar e por aí vai... Às meninas a castração que se traduz no cerceamento de desfrutar dos mesmos elementos de liberdade. Mas o que mais impressiona é que há também o estimulo a brutalização do masculino, quando é dito que homem não chora. Ora! Contraditoriamente, nos ensinam na escola que o ser humano possui canal lacrimal, logo todas as pessoas o podem.
Eis que os hormônios começam a dar seus primeiros suspiros e chega à puberdade. Ai, que tempo bom momento das descobertas, aflições e norteador dos desejos. Mas surgem também os conflitos, as escolhas e o recheio da pressão. Pressão essa que se traduz distintamente considerando o sexo e é quando vamos escutar um dito popular bem comum no nordeste “prendam sua cabra, que meu bode está solto”, ou seja, mais uma vez o cerceamento da liberdade se apresenta só que agora o foco é o prazer. Vou abrir uma parte pra mencionar que as instituições família e igreja historicamente disseminaram sentimento de culpa pelo gozo, nos fizeram acreditar que uma mulher dada a essas “práticas” feria a moral e os bons costumes. Bom, mas vamos prosseguir. No tempo da minha avó, ou melhor, do meu avô, os rapazes tinham a sua vida sexual iniciada no bordel mais próximo, sob o calor da luz vermelha e como num passe mágico, pimba! Virou homem. Estranho não é? Esse contexto traz a reflexão de que a quebra do cabresto vale mais do que valores, que deveriam ser o sustentáculo da idéia de masculinidade. Ao mesmo tempo quanto mais o corpo feminino vai ganhando forma e contorno os olhares policiescos camuflam as curvas para a manutenção da “pureza” a espera daquele para quem a virgem irá ser destinada a servir e obedecer. Felizmente isso foi no tempo da minha avó.     
Pois bem, lembram daquela menina já mencionada? Ao virar de fato uma mulher já está bem treinada, pois de tanto brincar entre bonecas (com aparência fidedigna a bebês), utensílios domésticos e miniaturas de material de limpeza, ela já introjetou a sua “função social”. Mas se na melhor das hipóteses ela não tiver sua vida limitada ao espaço da casa, certamente deverá atuar em alguma função que a limitará ao cuidar. Mas será que as mulheres, ao longo da história, vestiram essa roupa mesmo que não seja o seu número? A resposta não precisa estar explicita aqui, está nas entrelinhas do cotidiano, basta dar um giro e constatar que as mulheres são contorcionistas do seu tempo, pois se livraram das amarras e ganharam o mundo. Isso é possível? Não só é possível, como óbvio, pois além de pedreiras, motoristas de táxi, astronautas, engenheiras, cientistas, garis, mecânicas, atletas, dentre tantas outras atividades, ganhamos o glorioso mundo masculino das relações políticas e elegemos uma mulher como representante maior de um Estado democrático. Ah, quanto avanço! devem estar pensando, mas infelizmente, temos outros paradigmas a romper, um deles é o preconceito entre os gêneros, pois é o que permeia as relações de poder existentes entre homens e mulheres, fruto de uma construção cultural de definições sociais. Assim, a partir do momento histórico da posse da primeira mulher presidente eleita do Brasil, todos os holofotes seguirão o mesmo foco, onde qualquer suposto deslize poderá ser alvo de ataque não por uma questão de gestão, mas por uma questão de gênero. Caso essa elucubração se transforme num fato, só teremos que lamentar, devido à incapacidade da sociedade brasileira de conviver com as diferenças. Por fim, não vamos tratar de sobreposição ou queda de braços, mas da possibilidade de ressignificar os papéis e a importância social que masculino e feminino têm na construção de uma sociedade digna e igualitária.